METODOLOGIA DISRUPTIVA NA ANÁLISE E CONCESSÃO DE CRÉDITO
Fonte: Linkedin – Dr. Gilberto Luiz do Amaral
Mesmo com a racionalização dos serviços e custos dos tradicionais “bureaux” de crédito do Brasil, como Boa Vista, Serasa e SPC Brasil, o certo é que continua muito cara a obtenção de informações para subsidiar a análise e concessão de crédito de pessoas jurídicas.
Apesar da aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da “joint venture” [união de empresas] entre Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, Itaú e Santander para a criação de “bureau” de crédito, não se vislumbra para os usuários uma diminuição de custos no fornecimento de serviços sobre informações de adimplência e inadimplência de pessoas físicas ou jurídicas para fins de decisão sobre concessão de crédito.
Desde 2011 trabalhamos no IBPT/Empresômetro com um Laboratório de Inteligência de Negócios, onde transformamos dados fiscais e tributários em informações estratégicas. Posteriormente cruzamos as informações, fazemos análises e os resultados aplicamos em empresas dos vários setores da economia, gerando conhecimento de mercado dos múltiplos ramos de atividade. Este conjunto de conhecimentos denominamos Inteligência de Negócios.
Como na sociologia, o pesquisador de negócios tem o olhar sobre as suas próprias experiências, sobre a dos indivíduos ao seu redor e demais atores que constituem a sociedade, ou seja, olhando o todo como um integrante da cadeia de “nec otius”(negócios).
A ideia para criar o projeto disruptivo de análise e concessão de crédito surgiu a partir da minha experiência de mais de 20 anos em escritório de contabilidade, onde aprendi a observar a capacidade de alguns empreendedores de realizar ótimos negócios. Comecei muito cedo, aos 11 anos de idade, como “office-boy” (contínuo) do escritório de meu pai. Passei por todos os departamentos até, após me graduar em Ciências Contábeis, chegar a sócio. Passados alguns anos, também me formei em direito e decidi me aperfeiçoar como tributarista, desligando-me do empreendimento contábil.
Os custos dos serviços de informações creditícias sempre foram muito caros e me recordo o quanto os clientes de então reclamavam das elevadas faturas, principalmente nos tempos de crise. Hoje não é diferente.
Observando o comportamento de adimplência e inadimplência dos clientes notei que as empresas que sempre mantinham certidões negativas de tributos eram as que menos tinham dívidas em atraso. Isto porque os empresários tem a sua própria hierarquia de prioridades na quitação de compromissos: funcionários, fornecedores, bancos e por último o governo. Se a empresa tem certidões negativas em vigor e as mantem ao longo do tempo, dificilmente terá dívidas inadimplidas.
Por consequência, resolvi testar o meu “feeling” em situações reais. Em 2009 separei 95 CNPJs de empresas que eu sabia que tinham certidões vigentes de tributos federais, estaduais e municipais e cruzei com a base de dados do Serasa. O resultado, apesar de esperado, foi surpreendente: 89 empresas da amostra, ou 93,68%, tinham um “rating” bom/ótimo, ou seja não tinham nenhum compromisso inadimplido que constasse no relatório daquele “bureau”.
O resultado poderia apresentar um vício, pois eu conhecia as empresas da amostra. Resolvi ampliar a amostra para 950 empresas, adotando o critério de multiplicar por 10 a amostra anterior, em cada fase do projeto. Também não poderia utilizar empresas conhecidas e inclui outros ramos de atividade
Enquanto a primeira fase da pesquisa durou menos de 90 dias e foi concluída ainda em 2009, a segunda fase, pelos seus custos e necessidade de ter colaboradores, só pode ser iniciada em 2011, quando levei para o IBPT o projeto e criamos o Laboratório, inicialmente denominado de Informações Estratégicas, aproveitando a bem-sucedida experiência do nosso Observatório de Governança Tributária. Neste mesmo ano, criamos o projeto Empresômetro, como um Censo das Empresas e Entidades Brasileiras, feito a partir do acompanhamento dos CNPJs emitidos pela Receita Federal do Brasil.
Com a entrada em vigor da Lei de Acesso a Informação (Lei nº 12.527/2011), pudemos ampliar a captura e análise de dados fiscais e tributários das empresas brasileiras, podendo também verificar de forma automatizada a emissão de certidões negativas de tributos, inclusive as do passado. Concluímos em 2012 a segunda fase da pesquisa, totalmente com recursos próprios, a qual apresentou o seguinte resultado: 864 empresas (90,95%) tinham bom/ótimo “rating” na Boa Vista e 849 empresas (89,37%) tinham o mesmo índice no Serasa. Detectamos um fato que poderia ter contaminado a amostra e consequentemente o resultado: havia 273 empresas que participavam seguidamente de licitações e como é condição para participar de certame licitatório a apresentação de certidões negativas de tributos, isto poderia se constituir num desvio padrão.
Como a terceira fase da pesquisa envolveria 9.500 empresas que não participassem de licitações, tentamos parceria tanto com a Boa Vista, quanto com o Serasa, de forma a que tivéssemos um custo mais acessível, propondo fornecer informações como contrapartida. Infelizmente, a burocracia não é somente estatal e a medrosa tecnocracia privada impede avanços em projetos inovadores, sendo que os “feudos” internos são os responsáveis por onerar demasiadamente o usuário dos serviços de informações creditícias.
Desta forma, iniciamos a terceira fase em 2013 e a concluímos em 2014, mas tivemos que dividir a amostra em duas partes de 4.250 empresas, uma para cruzar com a base do Serasa e a outra com a da Boa Vista. Tivemos o apoio de 11 empresas (3 indústrias e 8 atacadistas). Os resultados também foram empolgantes: 88,33% (3.754 empresas) de assertividade em relação ao banco de dados da Boa Vista e 91,60% (3.893 empresas) de assertividade em relação ao banco de dados do Serasa.
Em 2015 começamos a quarta fase da pesquisa, com 95.000 empresas diferentes das amostras anteriores e de outros ramos de atividades (CNAES), mas que mantem permanentemente certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais. Para a viabilização desta fase, contamos com o apoio de 22 empresas (7 indústrias e 15 atacadistas) que atualizam constantemente a sua base de informações, com consultas junto ao Serasa e à Boa Vista e que nos cederam as suas bases. Cruzamos as informações de 57.178 CNPJs com a base do Serasa e 37.822 com a base da Boa Vista. Analisamos em 3 oportunidades cada CNPJ: segundo semestre de 2015, primeiro de 2016 e segundo semestre de 2016. Desta forma, conseguimos findar em março de 2017 esta etapa, com os seguintes resultados: assertividade de 94,14% em relação ao rating bom/ótimo do Serasa e 92,49% de assertividade em relação ao rating bom/ótimo da Boa Vista.
Em conclusão: não é necessário consultar sistematicamente os cadastros de inadimplentes de empresas que mantenham regularmente suas certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais. São mais de 3 milhões de CNPJs que estão nesta situação. E o melhor, para consultar as certidões negativas de tributos não é necessário pagar nada. Isto reduzirá em até 75% os custos de consulta em cadastros de inadimplentes. Adiante, comentarei como se utilizar da mesma metodologia em empresas que não tem as certidões negativas regulares.
Gilberto Luiz do Amaral, advogado, contador e especialista em tributação e inteligência de negócios. É sócio da Amaral, Yazbek Advogados e presidente do Conselho Superior e Coordenador de Estudos do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (gilberto.amaral@ibpt.org.br).